Duas biografias essenciais à história do nosso país estreiam em setembro: SILVIO, filme do Silvio Santos, e TÔ GRÁVIDA!, livro do casal Vihtube e Eliezer.
Coincidência? Sem dúvida. Mas essa obra do acaso me presenteou uma bela oportunidade de apoiar o produto nacional. Foi uma honra largar cinquentão na livraria meia hora antes de assistir SILVIO no cinema — por doze reais, vale dizer. SILVIO é o filme perfeito pra se ver pagando doze reais.
Ciente do meu papel como influenciadora cultural, sinto-me no dever de comentar essas dádivas. Aqui eu opino sobre o livro da Viih, e daqui a uns dias sai a resenha do SILVIO pros assinantes, que de boba eu também não tenho nada.
Antes do texto começar, UM AVISO: minha cópia do livro em questão, com todos os grifos e anotações a lápis que eu deixei nas margens, será sorteada entre os comentários! Não é porque eu quero me livrar dela. É por algum outro motivo.
TÔ GRÁVIDA! O QUE A GENTE FAZ AGORA? (VIIH TUBE e ELIEZER, 2024)
Quando as pessoas me cumprimentam na rua, ou pedem autógrafo num restaurante, o elogio é sempre o mesmo: Laurinha, obrigada por divulgar a mais fina literatura brasileira. Você é tão necessária.
E é verdade. Aqui no blog já analisamos várias obras de peso, como a fanfic erótica em que a Carla Zambelli morde a careca do Alexandre de Moraes.
Lá no podcast também rolava alguma resenha de vez em quando; inclusive da biografia TUDO TEM UMA PRIMEIRA VEZ, que a própria Viih Tube lançou na adolescência. Esse livro é demais. Mesmo aos 16 anos, Vitória já se provava uma autora iconoclasta, desafiando os clichês manjados da escrita biográfica, como contar anedotas e entreter o leitor. Só a Viih consegue encher duzentas páginas sem te dar nenhuma informação sobre quem ela é.
Seria ousado publicar uma biografia antes dos 25, mas pasme, ela publicou três: TODO AMOR TEM SEGREDOS, em 2017, e CANCELADA, logo depois do BBB. (Em defesa da Viih, a essa altura ela já tinha sim alguma novidade.)
TÔ GRÁVIDA!, então, é simplesmente a quarta biografia de uma mulher que não tem quatro biografias de coisa pra contar. Talvez surja daí a estranha dinâmica do livro: Vitória e Eliezer escreveram sobre os mesmos tópicos sem ler o rascunho um do outro. Cada história traz o ponto de vista dos dois, acompanhado de uma foto estilo preso político dos anos 70.
No geral, o formato não funciona. Acontece bastante da Viih contar uma anedota, e na página seguinte tá lá o Eli falando a mesma coisa. Na primeira vez a bunda dele deu cãibra! Na nossa primeira vez, minha bunda deu cãibra. MUITO repetitivo; das trezentas e cinquenta páginas — e dizem que eu não trabalho…! —, dava pra cortar tranquilamente umas cem.
Mas quando o formato dá certo, dá muito certo. Vitória descreve a cerimônia de casamento dos dois como uma coisa simples, feita em casa mesmo, com ela perguntando “Vamos casar?” e o Eli respondendo que “Sim.” (com ponto final). Assinada a certidão, os dois gritam da janela: ESTAMOS CASADOS! ESTAMOS FELIZES!
Bonito. Na versão do Eli, o bom-dia dela foi “Vamos casar hoje, tá?”, sem espaço de resposta. Ele fez a barba, ela nem tomou banho; e ao final ele se pendura na janela e grita CASEI! CASEI! CHUPA BRASIL!
Ainda assim, é nas experiências individuais — principalmente do Eliezer — que TÔ GRÁVIDA! brilha. Logo no início do livro, Eli descreve seu encontro com o astrólogo João Adamastor Chrysostomo (excelente nome). Na primeira sessão, Chrysostomo já manda a real: Você vai ficar famoso da noite pro dia.
Eli então passa a se consultar com o astrólogo todo janeiro, perto do aniversário; e aos poucos cria o hábito de “não tomar nenhuma grande decisão sem antes conversar com o João”. Seis anos depois, a irmã o inscreve no BBB e ele é aceito. Pra surpresa de todos (incluindo, sem dúvida, o astrólogo João Adamastor Chrysostomo), Eli ganha fama da noite pro dia.
Supersticioso até o talo, Eliezer relata a primeira polêmica envolvendo a filha: não ter batizado a menina com seu sobrenome, às ordens de um numerólogo.
Compreensível. Eliezer é Do Carmo e Vitória é Di Felice; uma preposição já basta. Numerologia é bom senso também. Mas o que convenceu mesmo os dois foi que o resultado, Lua di Felice, “significa LUA DA FELICIDADE” — supostamente. Me enche de alegria saber que em algum momento a Viih Tube traduziu errado o próprio nome.
Outro ponto alto do Eli vem no início da gestação, quando ele confronta a popular ideia de que homem só vira pai quando o filho nasce. Muito pelo contrário!, diz nosso herói: de tão envolvido com a paternidade, e de tão dedicado a acompanhar a esposa, ele mesmo embarcou em uma gravidez psicológica.
Vamos por partes.
Eliezer, iluminado pela mais pura empatia, sente o mesmo enjoo que a parceira grávida, contribuindo até com vômitos solidários. Ele então comenta que a ÚNICA coisa da gravidez que ele não teve foi desejo de comida — algo ousado de se dizer sem um filho na barriga. Fechando o parágrafo, um exemplo do tal desejo: Vitória, cuja gestação era extremamente real, chegou a comer RAÇÃO.
Olha… eu não sou casada. Eu não tenho filhos. Eu não sei o que é viver assim. Mas se o meu parceiro chegasse no nosso livro sobre gravidez contando que ele TAMBÉM ENGRAVIDOU (da cabeça) e que eu andei COMENDO RAÇÃO, era rua. Sinto dizer. Rua. Tá cortado ali no finzinho, mas ele chega a dizer que começou a fiscalizar o pote de comida dos cachorros. Rua!!!!!
Meio imbecil querer que uma biografia NÃO dê acesso à vida do autor; mas esse negócio da ração é um dos momentos em que a intimidade vai longe demais.
Vitória dedica quase um capítulo inteiro à sua candidíase, entrando em detalhes sobre a acidez do fungo e o ressecamento vaginal na gravidez. Já o Eli, sempre contribuindo à discussão, lembra de quando a esposa se incomodou com o aumento da auréola — “Falava que o peito parecia uma calabresa.”
Essa vibe MATERNIDADE REAL pode ser muito bem-intencionada — eu que adoro presumir boas intenções… — sem deixar de ser uma excelente estratégia de marketing.
Até então, todos os livros da Viih traziam retratos glamourosos da autora: os dois primeiros numa pegada Giovanna-Gótica, e o mais recente meio sobrenatural, segurando um cadeado rosa gigante como se fosse o artefato de Hellraiser — Renascido no Inferno.
TÔ GRÁVIDA! vem na contramão, com a multi-milionária Viih Tube se apresentando ESFRANGALHADA. Cabelo todo fudido, blusa empapada de leite, a calcinha indo quase até o joelho, uma esponja enfiada no sutiã. Haja realidade! Pior: dentro do livro tem a mesma foto, só que sem o corte extremamente necessário da capa. Seria indelicado da minha parte apontar a diferença; encarrego disso a leitora.
Se o relato da maternidade é pé no chão, sem firula, outras partes do livro parecem não ter o mesmo contato com o mundo real. Em certo momento, Eliezer descreve as medidas que vem tomando pra que a filha não cresça deslumbrada com a riqueza dos pais:
Construir um LAGO dentro de casa com PEIXES PLANEJADOS pra filha crescer humilde é coisa de gênio. Se tem uma coisa que não deslumbra a criança é os pais brincarem de Deus no quintal. Isso porque o Eli teve o pudor de não entrar na questão dos gastos…. até o Pod Entrar dessa semana, em que ele revela ter investido nesse laguinho MAIS DE UM MILHÃO.
Aliás, todos os cuidados com a Lua são caríssimos. Coisa do nível trazer uma consultora em casa pra aplicar laser na barriguinha da criança (?) e amenizar uma crise de cólica, ou construir uma brinquedoteca do tamanho de um bom apartamento em São Paulo.
Pra você ter uma ideia, no tour da brinquedoteca aparece: churrasqueira de brinquedo, penteadeira que acende, consultório veterinário INCLUINDO uma pia de verdade, carrinho de picolé (funcional), um posto de gasolina COM A BOMBA (não funcional) e um mercado completo.
Se a brinquedoteca da Lua já é enorme, imagina o jurídico. Não sei se você — uma pessoa que não acompanha obsessivamente as subs do nosso Brasil — ficou sabendo, mas teve uma época que a filhinha deles tomava muito hate. Ela tava acima do peso, tadinha, e o pessoal fazia montagem com o rostinho dela numa bomba falando VAI EXPLODIR!!!
Esse é o assunto de pelo menos cinquenta páginas da biografia. Com toda razão, claro. Deve ser um horror ver a sua bebê sendo alvo da crueldade alheia. Ainda bem que o casal encontrou uma solução positiva pro caso!
Que fique claro meu enorme respeito pela família Tube.
Falando assim, parece que TÔ GRÁVIDA! só mostra o ridículo dos dois: a fama prevista pelo astrólogo, o peito parecendo uma calabresa. Quem dera.
No finzinho do livro, Vitória conta da vez que tentou contratar uma babá extra, pra ajudar nos fins de semana. O plano era hospedar a candidata no apartamento da família, sob a supervisão da babá de confiança, Vilma, enquanto os pais visitavam amigos em Belo Horizonte. Vigiando o berço pelas câmeras, Vitória assistiu essa estranha tentar, e falhar, em fazer com que a Lua dormisse; até que a mulher pegou um pano e segurou no rosto da neném.
Vitória liga pra Vilma, mas o número dava ocupado. Sentada no avião, impotente, ela entra em pânico e dá um grito pelo sistema de som da câmera, alto o suficiente pra Vilma ouvir do outro cômodo e vir correndo investigar. Ela então se tranca no quarto com a neném, enquanto a Viih dá um pretexto qualquer por Whatsapp pra candidata ir embora: já te aprovamos!! Não precisa mais trabalhar por hoje!!
Outro susto veio uns meses depois, numa reunião com marcas, quando a Viih (já grávida do segundo filho) sente alguma coisa escorrer pela perna.
Deu uma desculpa qualquer — grávida tá sempre indo ao banheiro, sabe como é…! — e saiu correndo pra conferir se era sangue. E era. Sangue vivo, descendo sem parar. No desespero, foram ela e o Eli pro hospital fazer um ultrassom de emergência, que revelou o batimento normal do menino. Os dois caíram num choro de alívio; mas o sangue apontava um descolamento da placenta, e até hoje a gravidez é delicada. A própria turnê do livro acabou suspensa por questões de saúde.
Em comparação com as outras biografias da Vih, super bobinhas, TÔ GRÁVIDA! é um desabafo sério de uma mãe que claramente sofreu com uma depressão pós-parto. No capítulo 4, Puerpério, Vitória narra a culpa que sentiu quando a Lua engoliu um pouquinho d’água durante o banho. Chorou a semana toda, se achando uma péssima mãe, e só juntou coragem de ser responsável pelo banho da filha três meses depois.
Por mais que ela e o Eliezer polvilhem o texto com cenas fúteis, fazendo o máximo pra manter em alta o entretenimento, a impressão que fica é de uma maternidade difícil pra uma mulher tão nova. Vitória engravidou aos 22 anos, de forma extremamente pública, com um homem de quem gostava mas que não conhecia, e sofreu várias complicações. Foi tudo um pouco demais.
O mais triste — sejamos francos, é triste ler uma coisa dessas — fica por conta do Eliezer, que frisa, repete, INSISTE!, que vem se educando sobre ser pai. Fez várias workshops, altos cursos, leu tudo quanto é livro. Essa insistência dele geralmente vem acompanhada de algum discurso, seja sobre o machismo na sociedade ou a necessidade de repensar o papel do pai, que é bem o que você quer na biografia de um ex-BBB: lição de moral.
Beleza, tem que se educar mesmo. Ótimo! Mas o próprio Eliezer acaba desmontando essa narrativa. Logo depois da Vih desabafar sobre o acidente do banho, ele admite um erro muito mais alarmante: ter “balançado com força” a Lua na hora de dormir.
Como a cabeça de um recém-nascido é muito frágil, o cérebro fica desprotegido até uma certa idade. Balançar a criança com força é um risco tremendo. Isso TODO MUNDO sabe, ou deveria saber; ainda mais alguém que insiste tanto em lembrar que estudou pra ser pai. Te surpreenderia se eu dissesse que levou DOIS MESES pra ele descobrir?
Toda noite, por DOIS MESES, ele balançou a Lua assim. Tá tudo bem com ela agora, não deu nenhum problema, mas nossa, QUE RAIVA imaginar a Vitória chorando por conta de um golinho d’água no banho enquanto no outro cômodo tá o Eli sacudindo a porra da criança igual uma caixa de suco. Com todo respeito.
IMPRESSÕES FINAIS
TÔ GRÁVIDA! pode ser o quarto livro da Viih Tube, mas é o primeiro em que ela diz alguma coisa. Pro bem ou pro mal, claro: eu, que esperava mais uma biografia rasa, tive que de fato prestar atenção nos conflitos internos de uma mulher cuja própria existência é ridicularizada por idiotas como eu há pelo menos dez anos. Sinto muito, Vitória! Deolane, favor lançar uma biografia com urgência. O show não pode parar!
também vim esperando uma resenha rasa e tive que prestar atenção... quem ganhar ou quem perder não vai ganhar e nem perder, vai todo mundo perder
laurinha vc já parou pra pensar que essa estrutura de duas pessoas narrando um mesmo evento é basicamente como os evangelhos do novo testamento da bíblia??