Muito do que eu faço é motivado pela raiva.
Num vídeo recente do canal SatchOnSims — de uma gay chamada Satch que joga The Sims —, a proposta era construir uma casa com base nas ideias do ChatGPT. Só que ele pede uma casa realista e moderna e o GPT entrega isso aqui:
Pois o Satch não gosta. Reclama que a cozinha tá dentro do banheiro, que o banheiro ocupa metade da casa, etc, (faz você então!!!) e pede mais uma planta — dessa vez incluindo um corredor.
Mais uma vez o Satch desdenha, mesmo com o corredor bem ali, quadradinho no meio da cozinha. A conveniência de atravessar um corredor pra ir do leste ao oeste de um cômodo que ocupa 75% da casa é óbvia, mas tem gente que não se satisfaz. Ele continua pedindo plantas até o GPT sugerir uma mais ou menos normal, e é essa que ele constrói.
Me dá um ódio essa mania que Youtuber tem de se impor um desafio e imediatamente tirar o desafio do desafio. Tem uma outra que eu acompanho que solta uns vídeos tipo CONSTRUINDO UMA CASA COM APENAS 1.000 DINHEIROS! Daí a primeira coisa que ela faz é usar um cheat pra desbloquear objetos que não custam dinheiro. Vai se fuder sua otária!!!!! Você não seguiu as regras que você mesma propôs!!!!! Minha atenção foi captada por meio de fraude!!!!! FRAUDE!!!!!!!!!!
Uma reação normal, como me é de costume. E mais normal ainda foi a de agora, que me levou a fechar esse vídeo aí do Satch, abrir o GPT e pedir umas plantas pra eu mesma construir. Vamo ver se é tão difícil assim…. vamo ver se é um absurdo tão grande!
Chat, por favor. Desenhe uma planta realista, com quarto, sala, cozinha e banheiro, indicando também a entrada da casa.
Excelente começo. Poucos arquitetos humanos ousariam lançar um conjugado sala-cozinha-banheiro. Uma coisa meio iconoclasta, meio quebrando o tabu…. te assusta, Satch? Cagar vigiando o forno? E ainda tem uma irregularidade super moderna ali na entrada, violando essa regrinha boba de que toda parede tem que ser reta. Ao trabalho!
Ficou ótima: uma cozinha americana ampla, uma entrada espaçosa e uma privada no canto da sala. Questão de eficiência! Já parou pra pensar quanto tempo você gasta por ano só abrindo porta? Abre porta, fecha porta, abre porta, fecha porta. Elimina isso aí da sua rotina e são horas que você ganha pra passar com a sua família na maior intimidade.
Perfeito. Agora desenhe outra planta incluindo um cinema em casa.
Aí sim, hein? Um banheiro à parte — como nas mansões de luxo —, um CINEMÃO pra curtir com os amigos e o resto da casa bem arejado. Sem etiqueta, aliás, que é pra dar toda liberdade ao novo morador. Aqui o paternalismo arquitetônico não tem vez!
Belíssima. Um paisagismo, uma garagem e todos os cômodos normais que alguém pode querer. Tem tanto espaço que coube até uma concessionária de lanches atrás do sofá. Tá com inveja Satch? Seu fudido do caralho?
Vamos ao próximo.
Desenhe uma planta composta de um quarto, sala de estar e jantar, cozinha, banheiro e sala de música, com um corredor conectando os cômodos.
Amei que essa planta parece uma fatia de bolo, com o recheio e a cobertura sendo feitos de corredor. Não dá pra dizer que não tá conectando; ele inclusive garantiu que seja IMPOSSÍVEL passar de um cômodo ao outro sem primeiro atravessar o convés. Note também a parede assimétrica à direita…. um must. Mãos à obra!
A primeira decisão que eu tomei foi girar a casa e botar a entrada ali de frente pra cozinha. Nas reentrâncias coube um carro, uma bicicleta e dois ciprestes italianos, pra mostrar cultura. Depois eu decorei cada cômodo aproveitando ao máximo o espaço vertical: nesse quarto aí cabem duas pessoas, se elas revezarem o uso da cama.
E o problema do corredor? Simples. O próprio nome já diz:
Uma última planta, Chat. Desenha pra mim uma casa com jardim e quarto de hóspedes, além de um outro quarto, cozinha, sala e banheiro, apontando a entrada da casa.
Gostei que essa planta ele desenhou em verde sem ninguém pedir, como se tivesse acabado a tinta da outra caneta. Um toquezinho de realismo… gostas? E realismo aqui não falta: o GPT optou pela clássica disposição Sala - Cozinha - Banheiro - Quarto de Hóspedes, com o quarto principal consistindo em uma única parede no exterior da casa.
De novo minha tática foi girar a casa e usar o vão como um acesso pavimentado. Botei até um canteirinho, pra ornar com a questão do jardim. Dentro de casa as plantas também aparecem: como o banheiro não tem porta (a pedido do GPT, que parece ter uma obsessão inquietante com assistir o mijo alheio), um suporte cheio de vasinhos supre o mínimo de privacidade exigido por lei.
Já o grande problema, que era o quarto principal, eu transformei em oportunidade: virou um acampamento charmoso pra família passar a noite ao ar livre.
Depois de uma noite relaxante embalada pelo crepitar da fogueira, o casal retorna, feliz, às atividades normais.
Falando em retornar feliz às atividades normais, hora de responder o telegram.
Laurinha que historia eh essa de ficar vendo basquete? desde quando vc gosta de esporte? achei que vc acompanhava o luka doncic no instagram mesmo (M. B.)
Calma lá. Vamos com calma. Não é questão de gostar de esporte— eu gosto é de TV.
Agora que eu sou uma mulher em equilíbrio, serena, toda trabalhada na saúde mental, parece que veio junto um tantinho de tédio. As monções da loucura deixam saudade; é gostoso pro louco viver de impulso. Largar o emprego porque o 874C não parou no ponto, largar o homem porque ele anda e o chaveiro faz barulho.
Não é à toa que a rotina traz junto um certo desencanto — todo dia você acorda e cai num abismo feito de tempo. O verdadeiro tabu da saúde mental é admitir que a vida em desarranjo era muito mais viva.
A TV então chega como uma perturbação necessária: plantar a bunda na frente da TV das oito às oito é encher minha vida com a vida dos outros. Nanda chamando a Alane de cu largo, Luka mandando o zagueiro tomar no rabo…. essa adrenalina em segunda mão me sustenta ainda que eu mesma passe o dia me espreguiçando em casa feito um gato castrado.
Pra você ter noção do quanto eu pauto minha vida pela questão da TV, aqui em casa a gente pensa o ano inteirinho em torno dela.
O BBB, cuja estreia é uma intervenção caridosa do Boninho pra matar a bad de janeiro, vai até meados de abril; mais ou menos quando começam as oitavas do basquete. De junho a setembro era um intervalo, mas agora sob GRANDE influência do filme Challengers eu vou meter um tênis — Wimbledon e US Open. Daí entre setembro e dezembro a gente lembra que o Flamengo existe e acompanha o Brasileirão. (Quando eu não sou obrigada a ver o Mundial de Xadrez, cujo campeão atual consegue ser campeão e underdog ao mesmo tempo.) A ponte pro ano seguinte é o Mundial de Clubes, e em janeiro começa o BBB de novo. Assim transcorre minha vida!!
O que não é dizer, claro, que o basquete não tenha seu charme. Ainda mais pra mim, que tenho um fraco pelo carisma sexual de um jovem Selton Mello.
Mas o grande lance do basquete é que ele é esporte apenas em segundo lugar; em primeiro é uma grande planilha compartilhada.
Cê tá lá assistindo o jogo e vem um analista (que aqui em casa nós apelidamos de Dedão. Devido a ele se assemelhar a um dedão) dizer que essa é a primeira vez que um jogador dos Knicks faz 10 pontos, 10 assistências e 10 rebotes em dia de Natal. E o cara fala isso na maior naturalidade, como se fosse normal ter uma informação dessas.
Mas no basquete é normal mesmo. Toda partida ganha uma estatística precisamente construída pra te fazer acreditar que esse é um momento histórico. A vitória não é só uma vitória, é a primeira vez desde 1995 que um jogador meteu mais de 45 pontos contra os Lakers acertando 75% dos arremessos. Caramba, primeira vez em vinte anos! Parece foda até você reparar no quão específico esse dado é: se você quisesse saber a última vez que um jogador fez 44 pontos (um a menos) nas mesmas condições, a resposta seria ano retrasado.
Por mim tudo bem. Essa mania dos narradores de encontrar em cada partida um pedaço da história do basquete é muito simpática; quase uma ansiedade, como se assistir o jogo aqui e agora não bastasse.
Uma breve anedota: na época em que eu estudei — por assim dizer — em Praga, eu tirei um fim de semana pra visitar o Zugspitze, o ponto mais alto da Alemanha.
É meio absurda a experiência de olhar uma coisa tão alta. Daquele ângulo, a montanha parecia uma onda gigante dobrando pra te engolir. Ela cobre seu campo de visão todinho, o horizonte inteiro de ponta a ponta. É surreal.
E quanto mais eu olhava pra ela mais eu sentia que olhar não era suficiente; que eu queria algum jeito mais real de apreciar a montanha, de enfiar meus dentes nesse momento. Como fuder a montanha não era uma opção, me baixou foi uma vontade enorme de ligar uma britadeira em cima dela.
Quando eu vejo alguém postar que o Pascal Siakam foi o primeiro jogador desde 1976 a marcar 35 pontos, 10 rebotes, 5 assistências e zero erros acertando 65% dos arremessos em uma partida de pós-temporada, me vem uma ternura muito grande. Eu imagino a pessoa sentada de frente pro computador, com a TV ao fundo, tentando eternizar em uma combinação de porcentagens a adrenalina que ela sentiu no jogo. É uma reação muito humana pegar um momento e tentar guardar num potinho — e às vezes o potinho é uma planilha de Excel que demora quarenta segundos pra carregar. Cada qual com seus afetos.
Muito bom, acho que o proximo desafio voce pode pedir dois andares. Fiquei intrigado em como ele colocaria uma escada no meio de uma casa
Laurinha eu fiquei querendo ver suas plantas mas o gif piscava demais 😞 posta foto so delas vai pra eu olhar direito