Em um passado distante, quando eu ainda ganhava a vida como professora de redação, um dos exercícios que eu mais gostava de aplicar — principalmente em turmas desmotivadas — pedia que a aluna explicasse por que você não gosta de tal coisa.
Qualquer coisa. Um legume, uma série, uma professora de redação. Isso porque o grande desafio em ensinar produção de texto é convencer a pessoa de que ela tem, sim, algo a dizer; e todo mundo tem uma reclamação esperando pra ser ouvida.
Esse exercício, carinhosamente apelidado pelas minhas colegas como pedagogia do ódio, rende textos muito maiores (e mais expressivos) do que a turma costuma entregar.
Faz sentido. Quando você começa a reclamar, a empolgação toma conta. Os fatos ganham contornos dramáticos, a narrativa se engorda de detalhes. Nosso apego, enquanto sociedade, em associar educação com emoções positivas desperdiça o grande catalisador artístico que é estar puto com alguém.
Daí o meu amor por resenhas de uma-estrela. O que você encontra nessas resenhas, e em nenhum outro lugar, é o gênero textual que mais cresce no país: a reclamação literária.
Quando foi a última vez que a sua mãe contou uma história por escrito? Ou que o seu tio dedicou três parágrafos ao dia dele? Talvez a única oportunidade que o brasileiro médio tenha de escrever uma crônica seja quando ele encontra uma larva no alface do Giraffas. Alguma coisa na indignação de pagar pra ser feito de trouxa transcende nossa inibição criativa, e transforma o cliente trapaceado num grande observador da condição humana.
Como já mencionado por aqui e no finado podcast, o que eu gosto de fazer é pegar um estabelecimento qualquer e ler todas as resenhas negativas, na esperança de flagrar um consumidor no pior momento da vida dele.
Pra não repetir nem o Reclame Aqui nem o Maps, dessa vez eu fui no Airbnb, que mostra bastante potencial. Essa coitada, por exemplo, sentiu a necessidade de mencionar a temperatura da água mesmo depois de começar a avaliação com "Barata enorme na cama".
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