rápida nota sobre a gracyovos
e o relato de um náufrago
Ao assumir o prestigiado posto de Coelhinha da Playboy, a ex-líbero do Osasco Voleibol Clube, ex-namorada do Gustavo Caubói e, de certa forma, ex-BBB23 Key Alves deu uma declaração que nunca mais me saiu da cabeça:
“Quando era mais nova, trabalhar com a Playboy parecia um objetivo muito distante. Mas sempre foi o meu sonho, então me esforcei muito e fiz acontecer.”
Muito engraçada a ideia de que sempre foi o sonho da Key, desde “quando era mais nova,” trabalhar com a Playboy; e mais engraçada ainda a ideia de que esse sonho se realizou por meio de muito esforço.
Qual esforço, especificamente? Não vem ao caso. Imagino que pra virar Coelhinha a pessoa tenha que passar em alguma espécie de concurso. O importante é que ela conseguiu! Toda ambição, por mais longínqua que seja, está ao alcance de uma ex-BBB nos 12 a 36 meses de sua relevância. Coelhinha da Playboy? Claro! Garota-propaganda das Casas Bahia? Por que não?! Lançar uma marca de ovos? É pra já!
Cotada por Chico Barney como futura ganhadora do BBB25, Gracyanne Barbosa — que talvez tenha mesmo sido a campeã. eu não saberia dizer — lesionou seriamente um tendão na DANÇA DOS FAMOSOS, e tá andando de muleta desde outubro.
Parada em casa, sem treinar pesado, a mulher se pôs a pensar. Cabeça vazia, oficina do diabo!, já dizia absolutamente ninguém. Não deu outra: pouco menos de um mês depois da lesão, Gracyanne anuncia o advento da GRACYOVOS, sua nova “linha de ovos exclusivos.”
Segundo os influenciadores agraciados com uma caixa de GRACYOVOS na última semana, a embalagem é um luxo. Pesada, cheirosa, toda revestida em veludo azul-royal, com seis reentrâncias preenchidas pelos mais alvos ovóides. Em cada casca, o monograma dourado GG, iniciais de Gracyanne Grabosa. Num envelope à parte, um colar folheado a ouro, todo decorado com pingentes temáticos de granja: ovo frito, galinha, cu aberto, etc.
Até aí, tudo bem. O que me chamou atenção mesmo foi o prefácio ao pacote — uma curiosa cartinha, reminiscente da entrevista que a finada Key deu à Playboy em 2023.
Tem algo de tão lindo e verdadeiro na frase um sonho antigo (…) a minha própria marca de ovos. Poucas vezes um possessivo me emocionou tanto. Carro próprio? Tanto faz. Casa própria? E eu com isso. Minha própria marca de ovos? Belíssimo. Genial. Num mercado em que cada celebridade lança alguma variação dos mesmos quinze produtos (maquiagem, perfume, biografia crente e/ou que incentiva transtorno alimentar), uma linha de ovos de luxo era exatamente o que eu queria.
Não pra comprar, é claro. Só pra saber que existe.
Foi aí que eu me dei conta de que a marca GRACYOVOS era boa demais pra ser verdade.
A essa altura, você provavelmente já sabe que alguém jogou o domínio gracyovos.com no who.is e descobriu que uma determinada empresa, em vias de lançar uma determinada ferramenta de IA, botou o site da Gracyanne no ar.
Quem diria! A jogada de marketing era apenas uma jogada de marketing. Em breve (talvez antes desse texto, talvez depois), Gracy revelará o mote da brincadeira, e a coisa toda renderá boas risadas. Ovos de luxo! Quem compraria uma coisa dessas!
Pensando bem, era meio óbvio. Um dos posts alegava que cada ovo foi “esculpido com carinho por artistas aladas”, e essa só escapa de ser a descrição mais absurda já atribuída a uma galinha por conta de um precedente fortíssimo no século 3 a.C., quando Platão definiu o ser humano como um “animal bípede sem penas” e Diógenes chegou brandindo um frango depenado e gritando “Eis o homem!”.
Divago. A questão é que os sinais estavam ali. Na minha sede por um produto original, acabei tomando rasteira de uma campanha publicitária de quinta categoria. Todas as “parcerias” eram falsas; uma delas até envolvia uma suposta “influenciadora” chamada Boo Unzueta. Pelo amor de Deus! É claro que era IA. Ninguém se chamaria Boo Unzueta na vida real.
Desde que essa coisa toda veio à tona (uns quinze ou vinte minutos atrás) eu venho tentando entender por que me magoou tanto ser trapaceada pela Gracyanne, e acho que a resposta, como costuma ser o caso com todas as respostas, tá num livro do García Márquez.
RELATO DE UM NÁUFRAGO é a história real de um marinheiro colombiano que sobrevive a um naufrágio, fica extremamente famoso e aí confessa, semanas depois, ao jovem e anônimo jornalista Gabriel García Marquez a verdade do que lhe aconteceu. O navio da Marinha colombiana carregava contrabando americano de volta pra Bogotá (fogões, rádios, etc) e o peso da carga era tanto que o navio virou e uns oito tripulantes caíram — e só um sobreviveu.
Como o assunto era perigoso pra ditadura, o tal do náufrago sofre chantagens e ameaças do governo, mas vai atrás de um jornal assim mesmo e expõe tudo. Corajoso o homem. No prefácio à primeira edição, quinze anos depois, García Marquez o descreve como o “herói que teve a coragem de dinamitar sua própria estátua.”
Excelente livro. Abri pra me fazer companhia numa viagem interestadual e ele conseguiu me deixar com enjoo marítimo a bordo de um semi-leito double decker Águia Branca. O poder da literatura! Mas o que esse naufrágio tem a ver com a GRACYOVOS?
Explico. Nas noites de suplício em alto-mar, Luís Velasco (o náufrago) consultava sem parar o relógio de pulso, cujo visor fosforescente era à prova d’água e em momento algum o deixou na mão. Nos dias de fome, ele tentou arrancar um naco da sola do sapato às mordidas, e não conseguiu nem danificar a borracha; continuou novinha em folha.
Chegando em terra firme, esses fatos circularam, e Luís começou a receber grandes propostas comerciais pra repetir na rádio que o relógio da marca tal e o sapato da marca outra sobrevivem até a um naufrágio. O homem acabou faturando uma fortuna em cima da própria tragédia.
Bom pra ele! Melhor que nada. Mas convenhamos: é meio ridícula a ideia de alguém passar dez dias em alto-mar, à beira da morte, lutando contra os tubarões e a fome e a loucura, pra então ver sua história transformada num comercial de sapato. Não há nada de terrível ou sublime nesse mundo que um marketeiro não profane pra aumentar a margem de lucro do cliente em 0,3%. Mesmo ciente disso, eu quis acreditar no empreendedorismo galináceo da Gracyanne, e descobri que nem o marketing tá a salvo do marketing.
Talvez seja inocência minha querer viver num mundo em que de fato seja o sonho de alguém lançar uma luxuosa meia-cartela de ovos. Tudo bem. Por aqui, seguimos sonhando.
Obrigada por apoiar o Respondendo! Próximo post, a capital interplanetária do x-salada, em breve na sua inbox.














claramente o monograma GG no gracyovo é de Gabriel Garcia Marquez
nao acredito que essa nota sobre gracyovos representa sua prova de vida