ILHA DA TENTAÇÃO é o melhor reality da década
brincadeira. mas eu gostei bastante
Tem programa que você não se apega de cara. Começa meio fraco, demora a mostrar a que veio. A primeira temporada de CASAMENTO ÀS CEGAS só me ganhou lá pelo sexto episódio, quando eu vi uma loirinha, no meio da DR, oferecer um gole do vinho tinto dela pro cachorro.
Já a ILHA DA TENTAÇÃO não perde tempo nenhum. Tudo que você precisa saber sobre o reality tá nesse lindo momento do primeiro episódio, em que um casado recebe um body shot de olhos fechados e braços bem abertos, como Cristo aceitando pagar os pecados do mundo:
No post de hoje eu tento te convencer a assistir mais essa gloriosa produção brasileira, mas dou tanto spoiler que assistir fica quase redundante. Pros ansiosos, anal-retentivos e incomodados em geral: melhor aceitar logo a recomendação e ir direto pro Stremio. Vejo vocês lá!
TUDO QUE ME AGRADOU N’A ILHA DA TENTAÇÃO
Uma apologia ao circo do heterossexualismo
1. JUSTIFICATIVAS TERRÍVEIS
Na ILHA DA TENTAÇÃO, quatro casais têm seus relacionamentos TESTADOS pelo programa. A ideia é separar o elenco entre a Villa dos Homens e a Villa das Mulheres — onde os fidelíssimos convivem com solteiros (as) do sexo oposto — e ver o que acontece.
É uma proposta parecida com a do ULTIMATO (cuja resenha você pode ler aqui e aqui), com a diferença de que no ULTIMATO você entra querendo decidir se vai casar com aquela pessoa ou não. Ninguém chega na ILHA DA TENTAÇÃO com esse nível de clareza mental.
Esses dois aí, Luana e Gabriel, tão juntos há ONZE anos. A primeira coisa que ela conta pra câmera é que o Gabriel é um porto seguro, que foi ele quem ensinou ela a amar, e que ela gostaria de ficar nessa relação pra sempre. Ótimo. E veio fazer O QUÊ nessa porra então?
Daí entra a explicação, que é pior ainda: eles são crentes e fizeram um voto de castidade até o casamento, sendo que o casamento em si não tem nem data marcada. Indefinidamente castos. E a religião é um tema constante — rola até flashback da Luana enfiando um PRESÉPIO na mala, “pra lembrar do que eu realmente quero.” (Engravidar de outro homem?)
Corta pra cena na praia e tão os dois assim:
Longe de mim procurar lógica na neurose desses dois, mas eu não acho que cheirar o cangote da sua mulher em uma praia no México segue o espírito de um voto de castidade… Que dirá participar de um programa que OBRIGA você a cohabitar com várias gostosas. Tudo bem que eu matava o catecismo pra jogar GTA na lan house do bairro, mas que eu me lembre a bíblia não abre exceção pra reality show. Posso estar errada. Se alguém lembrar do versículo, deixe nos comentários.
Pra não dizer que TODO MUNDO se fudeu entrando no programa, o casal Rayssa e Cordeiro vem extremamente embasado.
Diz o Cordeiro que traiu todas as namoradas que já teve, distribuindo mais de um chifre pra cada uma; e que inclusive traiu com a Rayssa a namorada anterior.
Aí sim! Esse é o tipo de pessoa que devia ser alocada pelo governo federal a uma Ilha da Tentação estatizada, tipo serviço militar. Seria coisa de OTÁRIO confiar nesse cara às cegas. Botar o Cordeiro num ambiente cheio de mulher e câmera é o mínimo. Sorte a dele que ainda não inventaram a Ilha da Castração Química.
Um adendo: essa coitada aí mora com o noivo na casa da sogra, que aparece, num flashback, pedindo ao Cordeiro que se comporte. Até aí tudo bem. O curioso é que nesse flashback ela tá deitada na cama e com a bunda virada pro espelho.
Posso falar? Sua mãe idosa NÃO DEVIA aparecer num reality de putaria do Prime Video, e se aparecer NÃO DEVIA estar sensualmente recostada num travesseiro. Mas isso sou eu. Isso sou eu!!
2. PSICÓLOGAS DE BIQUÍNI
Chegando na Villa dos Homens, os casados prontamente fazem o que todo casado sonha em fazer com uma mulher solteira: alugar o ouvido dela.
É um desvio de função sensacional. No quarto episódio — a virada sombria do programa —, Cordeiro descobre que Rayssa elogiou o cabelo cheiroso de um outro homem. Em vez de cheirar o cabelo de alguma das OITO solteiras da casa, ele decide explanar (pra uma audiência de gostosas não muito entusiasmadas) seu complexo de inferioridade.
Cordeiro, aliás, é um caso à parte. No episódio seguinte, uma das solteiras cooptadas tenta dar uma luz na situação dele. Sua mulher tá aqui no programa também! Tá tendo oportunidade de conhecer pessoas! Ao que ele responde, exasperado: Por que ela quer conhecer pessoas??? Desse momento em diante ele passa a usar óculos escuros pela casa, de forma a chorar escondido.
Enquanto isso, na Villa das Mulheres, o momento mais profundo do programa vem da pessoa menos provável: o himbo Pedro.
Num episódio anterior, Morgana (comprometida com Emerson) confessa pra câmera o interesse no Pedro, com quem ela tem conversas muito especiais. Tá bom, Morgana. Nasci ontem nessa porra. Aí aparece o Pedro, com os seios enormes de anabolizante boiando na piscina, e fala o seguinte: Tudo você pensa no Emerson. O que o Emerson fizer eu faço; se ele isso, eu aquilo. Seu relacionamento gira em torno do que ele quer. Toma as rédeas da sua vida!
Isso sem falar na crente, que quando confidencia ao (solteiro) Lobo que fez voto de castidade ouve um O que é castidade?. A reação dele à resposta é perfeita: nossa… que PESADO…!
Lá pela metade da temporada, a vibe na Villa das Mulheres já saiu de azaração pra crise existencial, no maior estilo Clarice Lispector. O que é ser mulher? O que é existir pro outro? O que é se entregar ao desejo? Questões muito fortes. E os casados lá — e se o pau dele for maior que o meu?? E se o biquinho do peito dela fica mais duro com ele?? Com certeza ela já traiu… Eu vou me matar hoje às 23h47—
Tendo dito isso, o casal Giulia e Julio — sem comentários — caprichou na originalidade, ousando sair do programa sem fazer progresso nenhum. Dá pra ver o olho do (solteiro) Wagner DESFOCANDO enquanto a Giulia fala de autoconhecimento e processo de evolução. Já o Julio deixa a ILHA DA TENTAÇÃO satisfeito em ter aprendido a olhar pra si. Gostei de ver! Muito bonito um homem aprendendo a focar nele mesmo.
3. SOFRIMENTO VOLUNTÁRIO
No primeiro episódio da ILHA DA TENTAÇÃO, cada casal definiu suas regras de conduta no programa. Pra maior parte do elenco não vale beijar, se apaixonar ou “carícias íntimas” — transar, muito menos. Interessante o conceito de um reality de putaria com a mesma flexibilidade moral de um colégio Salesiano.
Quando o VAR flagra a violação de uma regra, começa a tocar na casa do corno uma sirene super dramática, acompanhada de luz vermelha. Até aí tudo bem; o engraçado é que em momento algum esse alarme informa qual dos participantes foi traído.
Quem pensou nessa do alarme anônimo tem que ganhar um aumento. Dois. Subir o salário e imediatamente subir de novo. Porque o TERROR PSICOLÓGICO que se instituiu naquele programa é um negócio de louco. Não saber se foi a sua mulher que te traiu, e como, cria uma paranoia absurda entre os homens. Eles ainda ficam botando pilha um no outro — Ow…. e se for a tua namorada… e se ela tiver DANDO pra alguém agora mesmo!!
Quando chega no quarto episódio, a cena é de desespero. São três sirenes no mesmo dia, todas vindo da casa das mulheres. Os homens juntos num canto, inconsoláveis, banhados pela luz vermelha do alarme, imaginando surubas homéricas. É de emocionar.
Claro que a traição não fica anônima pra sempre. Dia sim dia não, cada lado se reúne pra uma Fogueira; o momento em que os apresentadores, Flavia Alessandra e Otaviano Costa, apresentam ao elenco o play by play do que anda rolando na outra casa. É uma fogueirinha mesmo, no meio do mato, com um assento estilo arquibancada e uma TV sintonizada no canal do adultério.
Saiu no jornal esses dias uma notícia de que o Otaviano Costa precisou operar o coração poucos meses depois de gravar o programa. Compreensível. O clima de VELÓRIO da temporada mexe com a saúde de qualquer um. Na Fogueira mesmo dá pra ver os apresentadores nervosos, evitando contato visual com o VT.
Os casais evitariam também, se pudessem. Luana vê o Gabriel lambendo um peitinho e imediatamente começa a chorar. Ótima a Giulia falando que a casa dos homens “parece um puteiro” e reclamando que o namorado dela (Julio. Giulia e Julio.) não tá "fazendo reflexões importantes". Pronto. Ilha da Reflexão agora? Ilha da Interioridade?
Ao fim do episódio, Emerson tira a aliança e joga no chão. Pesou o clima. Dá muita pena dele ver a Morgana sentar no delicioso Pedro. O próprio Otaviano fica à beira de uma crise. Eles até tentam bancar uma maturidade, tou feliz por ela, feliz que ela tá curtindo… e o braço todo retesado, o punho cerrado, a veia saltada no pescoço. Cordeiro chorando no carro. Júlio de olho arregalado, Gabriel com a cara enfiada na jaqueta. O circo da monogamia PLENAMENTE instalado. Emerson sai da Fogueira falando "vou buscar novas conexões… vou buscar meu sorriso de novo." Vai é chegar na Villa de pau pra fora.
Melhor é a Flávia Alessandra tranquilizando as meninas, falando “você está num lugar seguro.” NÃO ESTÁ. Você está NUM SERVIÇO DE STREAMING. Acaba a fogueira e saem as mulheres, sisudas e humilhadas, formando quase um grupo de apoio a caminho do carro. Desconsoladas Anônimas. Desconsoladas extremamente não anônimas. Desconsoladas com uma câmera enfiada na cara.
4. PAIXÕES REAIS
Como diz nosso querido psicólogo Pedro, o elenco de solteiros do programa é a Tropa do T.E. — Talarico Emocionado.
Pra um reality de putaria, o tesão certamente vira paixão bem cedo. Logo no segundo episódio dá pra ver que o flerte do Pedro com a Morgana é REAL porque as frases saem da boca totalmente desconexas. — Cuidado com o fogo pra não te queimar… — Tamo aí pra isso né. — Chama o bombeiro!! Risos gerais. Por que você chamaria o bombeiro? Pra apagar seu fogo?? O tesão é tão entorpecente que te distancia de qualquer capacidade de expressão. Fica só um jogo de conectar palavras. Fogo. Bombeiro. Fala alguma coisa e ri. Vamos com tudo!
Um dos grandes momentos da temporada vem quando a Luana (a crente) admite que pra ela é difícil ser casta porque ela gosta muito da “coisa”. Todo mundo gosta, ela ressalva… mas eu gosto muito. Isso dito com o olhar apontado feito uma broca no peito de um homem, quase atravessando. Lembrou a Rafa Kalimann naquele vídeo em que ela assiste o José Loreto passar um café com a maior cara de tesão já capturada no meio audiovisual.
Me agrada muito! Tão bom ver uma emoção de verdade no mar de REPRESSÃO que é a TV brasileira. Dá um alívio. Eu amo ver as pessoas se apaixonando, rindo sem graça, corando e evitando o olhar. No fundo eu sou uma grande romântica!, se for possível ao mesmo tempo ser uma grande entusiasta do adultério.
Até as piores falhas de comunicação são bonitas. No segundo episódio, Rayssa tenta confidenciar ao (solteiro) Lucas que ela tá muito fodida agora — no sentido de gostando demais dele. No que ele responde, confuso: fedida? Pausa. Fodida. Outra pausa. Fedida? Rayssa perde a paciência e sai. IMAGINA esse cara vendo o clipe em casa. É um momento genuíno! Assim que é a paixão na vida real. Mal-entendidos, oportunidades perdidas. Um microcosmo da realidade; a última coisa que você espera de um reality show.
5. SOLTEIROS DESPERDIÇADOS
O elenco da ILHA DA TENTAÇÃO conta com oito comprometidos e dezesseis desimpedidos. Pra cada paixão real, um solteiro é desperdiçado.
A seleção já não é das melhores. Entre os homens, o primeiro chega usando uma boina de jornaleiro mirim circa 1880. Já a solteira Letícia entra falando que é cientista e piranhas doutoradas farão a revolução. Nossa, com todo respeito… bonita a intenção… mas tem coisa mais BROXANTE que descobrir que alguém tem Lattes? Deus que me perdoe por mais esse crime contra a ciência brasileira, mas de acadêmico eu passo longe. Dos mais recentes que eu peguei um o pau não subia e o outro voltou do doutorado na Alemanha e foi direto comer a vizinha. (A vizinha era eu.) Vivendo e aprendendo!
Cada solteiro/a desfila na passarela e se apresenta com alguma frase enlatada. Coisa do tipo Foi mal, não sabia que a sua noiva era comprometida. A escolha de frase se divide entre provocações espirituosas e alfinetadas bad vibe. Duanny (de quem logo falaremos muito mais) chega SEM SORRIR e manda um Seguinte, aqui ninguém é fiel. Veio pra ilha, aguente as consequências. Pesou o clima…
Nem todo mundo lida bem com esse tipo de coisa; e é justamente essa a graça, pra você e pra eles. O heterossexualismo é um estado mental adoecido, mas também é gostoso demais. Eles se divertem TANTO alimentando a paranoia um do outro, criando regra pra depois quebrar… O casal crente, então, que delícia. Voto de castidade é o equivalente mental daquela gaiola de trancar o pinto. Minha implicância com a não-monogamia é que falta nela o fetiche monogâmico — a tensão, o ciúme, o joguinho psicológico. E sem monogamia não tem traição! Extinguirias uma prática social milenar? Hum… logo vi…
Logo na PRIMEIRA apresentação de solteira aparece a Morgana, enciumada, inquirindo se a pobre da Maíra faz borboleta paraguaia.
O que é borboleta paraguaia? Seguindo meu instinto jornalístico, fui procurar uma explicação (teórica) no Instagram.
Não vou me demorar nesse assunto que o post já tá gigante. Basta observar que os comentários desse vídeo aí são ótimos, e mereciam uma análise à parte. Quem sabe outro dia.
Dali em diante cada episódio traz uma dinâmica de encontro, em que os comprometidos escolhem um solteiro/a pra conversar a sós. Como são dois solteiros pra cada casado, 4 pessoas são excluídas — geralmente, as mesmas 4.
Deve ser um pouco solitário não se envolver com nenhuma casada. Ficam os rejeitados vagando pela casa, tomando drink em copo de plástico. Mortos em vida. A câmera nem sabe que eles existem. Alguns se rebelam; Duanny, cavando tempo de tela, pergunta pra todos os casados de quem você gosta, pra garantir uma certa presença na TV. Esperta, né. E a cientista chupando dedo!
Ciente do desperdício de gostosas, a produção reserva o quinto episódio pra ELIMINAÇÃO de dois homens e duas mulheres — de acordo com o voto dos comprometidos. Democracia faz assim! A dinâmica rende um dos momentos mais engraçados do programa, em que o Julio (namorado da Giulia) afirma não querer arruinar o sonho de ninguém.
6. CONSEQUÊNCIAS NATURAIS
Na primeira festa da temporada, os homens comprometidos já chegam chegando. Lambida no peito, mordida na coxa. Sensualidade! Azaração! É nela que o Cordeiro recebe um body shot na cruz; breves momentos de alegria.
Daí vem a primeira Fogueira, em que eles assistem o que as comprometidas se permitiram fazer depois de assistir à festa deles. Traumatizado, o elenco masculino passa o resto do programa nessa vibe:
Engraçadíssimo o tesão inversamente proporcional nas Villas — quanto mais aumenta em uma, mais diminui na outra. Cê assiste um encontro cheio de desejo da Morgana com o Pedro e, logo em seguida, o Gabriel jogando vôlei com duas solteiras extremamente desinteressadas.
O que não é dizer que a coisa fique morna o tempo todo; as solteiras se ESFORÇAM pra agitar alguma traição. Num certo momento, Clara arranca a blusa na frente da câmera — e pro espanto de todos, INCLUSIVE O MEU, o Prime não censura absolutamente nada. Não borrou, não pixelou, não cobriu nem o biquinho. É vida real mesmo. Até a pobre da Duanny ficou chocada… deu pra ver que ela não tava nesse pique todo!!
Depois dos comprometidos entrarem na linha, a diversão na Villa dos Homens MORRE. O que vem em seguida é inevitável: Duanny cobrando atenção de um homem que é literalmente noivo de outra. Como que pode, cara. O espírito humano é indomável.
E tá certa! Tá todo mundo certo. Tem que cobrar fidelidade de homem casado SIM. Enquanto isso, Emerson é fuzilado de todos os lados. Num date do sexto episódio, Letícia (a cientista!) cobra ele por ter dado um selinho na Duanny; sempre a Duanny. A reação dele é declarar ESSE DATE TÁ UMA MERDA, levantar e ir embora. Haja tentação!
Das literalmente 12.000 palavras que eu anotei assistindo a série, só um quarto coube aqui; e já achei muito.
Sobrou tanta coisa engraçada pra comentar. Luana chegando de blazer azul pro encontro com o Lobo, que veio no estilinho skatista. Parecia que ela tava dando uma aula particular. Emerson no VT dizendo que a Maíra vai ter que admitir que tá querendo; corta pra ele perguntando cê ta querendo né?, e ela sem expressão nenhuma.
Se eu continuar descrevendo o programa, não vou parar nunca — então é melhor parar agora. Um beijo pra vocês, e até semana que vem. (Prometo!)
laura, seu texto foi a primeira coisa que li com meu óculos novo e eu sinto que na verdade foram suas palavras que me deram o dom da visão! um beijo!
Daqueles textos que eu gostaria que fosse possível dar like em cada paragrafo, talvez até em cada legenda de foto.