Nunca, na história da humanidade, alguém conseguiu ver um filme por dia durante 31 dias. Ninguém nunca viu 31 filmes. Talvez um arroubo de entusiasmo pela sétima arte (sétima de um total de 7, vale lembrar) te leve a montar sua listinha, e até assistir um ou dois. Trinta e um? Não.
Isso porque trinta-e-um é o que nós da ciência chamamos de magnitude astronômica; um número tão longo que é basicamente incalculável. Perceba o tempo que a pronúncia leva: trinta e um. Não é nem indicado ficar pensando um número desses. Melhor deixar com os profissionais, que empregam o 31 em ambientes controlados, como um reator nuclear ou um quadro a giz largado no corredor.
“Esse mês eu vou ver trinta e um filmes de terror” — não vai. E porque 31 é impossível, você nem tenta chegar perto. Começa o mês confiante, manda logo dois no primeiro dia. Fácil. Amanhã o terceiro, depois o quarto. Uma folguinha que ninguém é de ferro. Outro filme. Meio ruim esse. Hoje eu não tou a fim. Domingo a gente vê. Lá pela terceira semana desiste, com a consciência limpa: 31 eu não ia conseguir mesmo.
Mas vamos supor. Vamos supor. Que esse ano você queira um desafio de verdade. Olha nos meus olhos. Você não cansa de se esconder atrás do 31? Como em toda jornada de superação, o primeiro e mais importante passo é desistir. Desista dos 31 filmes imediatamente. Seu objetivo, até o fim de outubro, é assistir UM ÚNICO FILME DE TERROR.
DESAFIO LANÇADO: ASSISTA UM ÚNICO FILME DE TERROR
Pra te ajudar, no texto de hoje eu recomendo WISHMASTER (1997) e SLITHER (2006) — duas das maiores tranqueiras que eu já vi.
WISHMASTER (1997)
WISHMASTER é a história de um gênio maligno tentando abrir um portal pro inferno em Los Angeles — ou algo assim. Não vem ao caso. O que vem extremamente ao caso é que, nos primeiros cinco minutos de filme, o esqueleto de um homem PULA pra fora do corpo, monta nas costas de um outro cara e saem os dois girando e gritando.
A força dessa imagem — um esqueleto arrebentando a própria carne e atacando o primeiro otário que passar, igual pinscher quando escapa por baixo do portão — dá a entender que ela é o início de uma coisa maior. Talvez o primeiro soldado de um exército cadavérico. Nada contra! Eu veria um filme assim; deus sabe que eu assisto qualquer coisa. Mas o que torna WISHMASTER tão especial é que esse efeito simplesmente não aparece de novo.
E não é só esse. Quinze segundos antes, uma boquinha estilo ALIEN brota da barriga de um cara e morde a coitada da mulher dele. Aparece a boquinha de novo? Não. Logo depois, uma criatura meio-homem-meio-cobra se arrasta sei lá de onde pra implorar ajuda. Help ussssss. Tem algum significado na história esse homem-cobra? Não. É uma sucessão de imagens tão rápida que não dá tempo nem de registrar direito o que houve. Nada ganha destaque. Olha esse absurdo! Gostou? Próximo!
Cá entre nós, uma boa ideia é uma coisa rara.
Rara e finita. Quem preza pela longevidade na indústria sabe que cada momento espetacular dá direito a pelo menos vinte minutos de lixo antes e depois. Questão de sustentabilidade: pra que lançar uma única obra-prima se você pode ter uma longa carreira medíocre?
Impressiona, então, ver WISHMASTER pegar TANTAS ideias que tranquilamente sustentariam um filme (ruim) sozinhas e jogar tudo numa coisa só, com um minutinho separado pra cada. O flash de uma pessoa derretendo, o monstro catando uma bituca do chão e fumando. É como se os envolvidos quisessem gastar toda a munição criativa deles num filme só; e de fato parece ser o que aconteceu, porque depois disso nem o diretor nem o roteirista conseguiram outro emprego.
O que não é dizer, claro, que esse filme seja bom. De forma alguma. Filme bom eu não assisto.
O elenco de WISHMASTER atua como se morasse numa versão pornô do condomínio Jambalaya Ocean Drive. Coisas acontecem sem explicação nenhuma — de uma cena pra outra, a especialista em pedras preciosas aparece treinando uma equipe mirim de basquete. Nem o figurino funciona: o mesmo gostoso que entra num conversível de shortinho, saltando por cima da porta, aparece depois usando um jaleco, suspensório e DOIS crachás, um em cada lapela.
Eu não recomendaria esse filme a ninguém que leve assistir-um-filme a sério; muito menos alguém que queira se assustar. Pelo amor de deus; se eu vir UM ÚNICO comentário reclamando que WISHMASTER não dá medo eu surto pra cima de vocês. Emoção é coisa de novela das nove; a função do terror é te mostrar uma imagem que você nunca viu. E só nesse filme tem umas vinte!
SLITHER (2006)
SLITHER é um pouco mais tradicional que WISHMASTER, no sentido de que o roteiro é coeso, os atores fazem um bom trabalho e o orçamento ultrapassa, em muito, os dez reais. Mesmo com esses defeitos, o filme te ganha pela novidade: dificilmente você encontra um monstro tão apaixonado.
Em meio a uma crise conjugal, Grant Grant (cujo nome é Grant e o sobrenome é Grant) sai de casa pra espairecer as ideias e acaba topando numa espécie de parasita. Contaminado, ele cede o controle da mente pro hospedeiro: uma forma de vida alienígena, destruidora de mundos.
Até aí tudo bem. O curioso é que, frente à belíssima e loiríssima sra. Grant, o próprio monstro se apaixona — e entra num dilema. Por um lado, a missão dele é colonizar a Terra e eliminar o livre arbítrio dos seus habitantes; um serviço que ele vem prestando, de planeta em planeta, há bilhões de anos. Por outro lado, esse estilo de vida guarda uma certa solidão…. um vazio que apenas uma esposa extremamente loira pode preencher.
Quem dirige é o James Gunn, oito anos antes de GUARDIÕES DA GALÁXIA. Engraçado enxergar em SLITHER essa ponte entre um terror mais escrachado, estilo TROMEO AND JULIET (que Gunn escreve em 96), e a higienização obrigatória de uma carreira na Marvel. Tudo bem que o filme é podre, grotesco, violento; mas é uma podridão REFINADA.
Onde uma produção Troma usaria um seio de fora, Gunn veste a mocinha numa modesta camisola. Se um parasita da Troma entra pela bunda, o de SLITHER escolhe um caminho mais socialmente aceitável. Dá pra ver ele conciliando em tempo real as ambições comerciais e a arte — um equilíbrio que daí em diante Gunn nunca mais alcança.
Se a ideia de WISHMASTER é um pouquinho demais pra você, SLITHER é uma excelente opção, entretendo sem deixar de preencher os requisitos mínimos de um filme. Idealmente você veria os dois, mas quem sou eu pra exigir uma coisa dessas. Eu sou apenas uma pobre escritora mendigando dez reais….
laurinha não verei mas gostei do texto, obrigada
dois filmes tá ótimo