como entreter seu irmão do outro lado do mundo
um guia de viagem
Em agosto do ano passado, logo depois das férias do José, eu publiquei aqui um guia sobre como Como Entreter Seu Irmão de 16 Anos Em Visita a São Paulo. Esse guia acabou virando um dos posts mais queridos do blog, gerando até dúvida entre os leitores de se algum dia eu seria capaz de produzir outro texto à altura.
Diante desse feito inigualável de originalidade artística, sucesso de público e crítica, cabe a mim apenas trilhar o caminho hollywoodiano e fazer o que qualquer grande estúdio faria: uma sequência.
Como Entreter Seu Irmão de 16 anos II: Tokyo Drift
Um guia para mulheres cujo irmão doze anos mais novo e morador de um fim de mundo de vinte mil habitantes veio passar as férias com você do outro lado do mundo
não recomendo: cinquenta horas de avião
Medo de voar eu não tenho. Pra ter medo eu precisaria de fato acreditar que estou voando, o que eu certamente não acredito.
Dentro do avião, todos seus sentidos ignoram o vôo: tu não ouve a turbina, não sente o vento gelando o nariz. A única evidência que te dão é aquela janelinha oval, que pra mim tem o mesmo conteúdo de realidade de uma tela qualquer. Anos de TV me dessenssibilizaram a qualquer coisa que aconteça do outro lado de um vidro — podia cair um RAIO na asa e eu ainda estaria distraída vendo meu irmão jogar caça-palavra.
Tendo dito isso, ANSIOSA eu fico. A mesma irrealidade do que acontece fora do avião torna extremamente real o que acontece dentro, que é nada. Voar é esperar, e esperar é sofrer. Pra uma mulher claustrofóbica que nem eu, que abre as janelas de casa no meio da chuva por falta de ar, já seria ruim o suficiente me selar viva no avião que nem uma múmia. Agora imagina esse castigo por vinte e cinco horas ida e volta, dormindo e acordando na noite eterna da jornada anti-horária. Pensar a claustrofobia só em termos de espaço é muito ingênuo: o tempo é a verdadeira prisão.
As almas amigas que queiram visitar o Japão sem perder a sanidade podem aprender com meu erro e picotar o vôo, parando uns dias no meio do caminho. Vai da sua consciência: eu até considerei, mas tive medo de descer do avião na hora doze e ficar por ali mesmo. ⭐
recomendo: ir ao mercado
Uma das razões pra nenhum guia de viagem funcionar comigo é que o foco do guia tá sempre em visitar monumento, museu, estátua — até PRAÇA os caras te mandam olhar. O que mais tem na Europa é turista procurando praça no Maps com a avidez de um maconheiro sem local. Já eu gosto de me botar na vida do outro: dar uma volta de metrô, tomar cerveja barata, ir ao mercado. Meu roteiro dessa viagem inclui, sem exagero, doze lojas de conveniência.
Por sorte, José compartilha desse mesmo deslumbramento com o ordinário. VÁRIAS horas da nossa semana no Japão foram gastas simplesmente andando pelo mercado perto do hotel e reparando em tudo que tinha de diferente. Um destaque: o ovo cozido, embalado e vendido individualmente a dois reais — pras necessidades de ovo da pessoa solteira. Quem disse que Oxxo não é imersão cultural? ⭐ ⭐ ⭐ ⭐
não recomendo: rodízio de wagyu
Que fique claro: comer carne no Japão é uma excelente ideia. Aquele bifinho marmorizado, que derrete na boca… coisa de programa de viagem do GNT. Só que a marmorização da carne é um jeito educado de falar que ela é toda cheia de gordura, e se você for a um RODÍZIO da carne mais gordurosa que existe o seu irmão vai passar mal e vomitar no banheiro do hotel. E o banheiro é compartilhado. Você vai sujar todas as toalhas de banho branquinhas tentando limpar o chão, as paredes e a porta da maior quantidade de vômito que você já viu, mas a privada vai continuar com um cheiro distintamente ácido pelo resto da sua estadia. ⭐
recomendo: karaokê
Existe karaokê no Brasil. Eu estou ciente. A imagem do leãozinho na caixa do Videokê é inseparável dos natais da minha infância. O que não existe, ou se existe por favor indiquem nos comentários, é um karaokê com banco de couro, ar condicionado, open bar de refrigerante e café e um isolamento acústico tão impecável que quando você desce o corredor pra ir ao banheiro parece que tá andando numa igreja. E se existe certamente não custa TRINTA REAIS A HORA.
Uma das experiências mais legais dessa viagem foi assistir meu irmão mandar um falseto inacreditável em Guns n Roses - Civil War enquanto eu curtia um chocolatinho quente na faixa. Não sei se ele diria o mesmo da minha imitação de Elvis, mas chegando em São Paulo eu me emocionei em notar que a playlist de banho dele incorporou as melhores do Evanescence. É muito bonito perceber que ainda dá pra conhecer melhor alguém que você conhece literalmente desde que nasceu. Se um dia a gente voltar pro Japão, repetir o karaokê vai tar no topo da lista. ⭐ ⭐ ⭐ ⭐ ⭐
* Incluí abaixo um vídeo do falseto. Antes de dar play, eu peço que você imagine o quão agudo ele canta o refrão, e depois me diga se imaginou certo.
não recomendo: akihabara
Era de se esperar que Akihabara, o bairro da diversão adolescente, fosse o melhor lugar pra divertir meu irmão adolescente. Ledo engano — por uma confluência de fatores envolvendo a pandemia, a falência da SEGA e o capitalismo tardio em geral, 80% dos antigos prédios de fliperama agora são dedicados a máquinas de garra. É um negócio otimizado pra você torrar o máximo de dinheiro possível com o mínimo de retorno, e sair frustrado e puto da vida. Até encontramos umas máquinas de Bomberman e King of Fighters, mas uma arcade retrô no Japão é basicamente um fliperama atual em São Paulo. A sensação é de ter perdido algo que não volta mais.
Tendo dito isso, mandar um drift no Mario Kart rodando o volante com toda força e pisando fundo no freio é uma experiência transformadora. Torramos uns dez reais tentando gabaritar a música-tema de Evangelion no joguinho do tambor (um Guitar Hero de percussão), e eu viciei numa arcade de pesca em que você literalmente senta às margens de um lago virtual, segura uma vara e espera. Não tem tanta variedade quanto um dia teve, mas ainda dá pra se divertir. ⭐ ⭐ ⭐
recomendo: templos
Todas as coisas que me atraem em um templo budista — a arquitetura, a tranquilidade, uma certa curiosidade espiritual — são coisas nas quais jamais ocorreu ao meu irmão se interessar. Enquanto eu explicava nosso roteiro a caminho de Kamakura, o coitado vira e pergunta: mas é só templo hoje?
Isso foi antes dele visitar o Daibutsu, um Buda de TREZE metros de altura. O caminho pro coração de um jovem é botar ele na frente de um negócio gigante. Pode ser um robô gigante, como pode ser um Buda gigante; pro jovem não faz diferença. Ele se maravilha do mesmo jeito.
Enquanto compilava a lista de melhores e piores momentos pra esse post, eu perguntei ao José qual foi a opinião final dele sobre os templos. Diz ele que achou bem bonitos — “quase uma forma de arte.” Por esse, que talvez seja o pensamento mais complexo que já se formou na mente do meu irmão, eu agradeço!
⭐ ⭐ ⭐ ⭐
parecer da cobaia
Seguindo a tradição, nosso guia se encerra perguntando à cobaia qual foi o melhor momento da viagem. Pro José, foi o dia do parque de diversão — que quase não rolou.
Montanha-russa foda no Japão é o que não falta. Infelizmente, o que também não falta sou eu sendo burra. Aconteceu não uma, mas DUAS vezes da gente chegar num parque e dar de cara com o portão fechado.
Tudo bem, porque quando a burrice é crônica a gente aprende a contornar. Eu já tinha deixado um dia livre no roteiro pra esse tipo de eventualidade, e deu pra voltar num dia que a porra da montanha-russa tava aberta. E ainda levo pra casa uma variedade de imagens de sofrimento como recordação…
(Prestação de contas: José foi pago pra editar o vídeo acima com um vale-Steam no valor de 20 reais.)
respostas
Falando em cobaia, hora de responder o telegram.
Laurinha, ouviu o novo da Beyonce? (S. M.)
Ouvi. Gostei da direção artística de lançar um dos melhores álbuns pop de todos os tempos e logo em seguida um que parece produzido pra tocar na Renner.
O que mais tem nesse álbum é música ruim, mas o cover de JOLENE é a pior de todas. Muito foda pegar uma letra cujo lance inteiro é ser uma confissão de vulnerabilidade de uma mulher diante da outra e transformar em um Duelo Fiel e Amante. Eu entendo que a Beyoncé tem uma vibe girlboss de querer se afirmar, ótimo!, tem que sair por cima mesmo. Se fosse amiga minha eu apoiava. Só é engraçado pra uma artista fazer um cover de um clássico tirando exatamente o que tem de clássico nele — não só tirando, invertendo totalmente. É como se eu fizesse um cover de Não Enche do Caetano trocando todos os insultos por palavras de afirmação. Amada, inteligente, a melodia do meu samba põe você no lugar…
Tá feliz que o flamerda ganhou o campeonato carioca? (Á.)
Se me permite, eu gostaria de responder à sua pergunta com um print que meu irmão tirou de uma conversa dele com o pai botafoguense.
Nada mais botafoguense do que responder uma zoação com um print de uma disputa jurídica entre o Botafogo e a Fifa — especialmente se essa disputa terminou com o Botafogo conferindo a si mesmo três títulos que só ele reconhece. Eis o emocional do botafoguense médio. Isso pra não falar do vascaíno… Sinceramente, ser Flamengo é questão de saúde mental. Vejo vocês no Brasileirão!!
















Laurinha, ainda não terminei de ler. Pra mim, há chances de a continuação da saga ter um final ruim, se for bom não vou voltar pra contar.
Mas fiquei pensando aqui: seria Laurinha um alter ego de José Lero? Ignorando todas as provas que poderiam me confirmar que isso não é verdade, é bem provável.
Muito feliz de ver que a ideia do episódio especial no Japão — que consiste em um episódio normal, mas feito num quarto de hotel do Japão — ,proposta no finado podcast Respondendo, finalmente saiu do papel !!!